Alteração ao Regime de Combate à Droga: uma nova distinção entre tráfico e consumo
No passado dia 8 de setembro, foi publicada a Lei n.º 55/2023, de 08 de setembro, que introduz alterações ao Decreto-Lei n.º 15/93, que aprova o regime jurídico aplicável ao tráfico e consumo de estupefacientes e substâncias psicotrópicas (“Lei de Combate à Droga”). Este diploma vem descriminalizar drogas sintéticas e faz uma nova distinção entre consumo e tráfico1.
Antes da alteração, o consumo e a posse de drogas sintéticas eram punidos com pena privativa da liberdade ou multa2. Contudo, a nova legislação introduz uma mudança significativa neste panorama ao excluir as substâncias psicotrópicas sintéticas do âmbito criminal.
A Lei n.º 55/2023 esclarece ainda a descriminalização da detenção de droga para consumo, independentemente da quantidade, e estabelece prazos regulares para a atualização das respetivas normas regulamentares.
Vejamos, em detalhe, algumas novidades.
O artigo 2.º da Lei n.º 30/20003, determinava que — e para que a pessoa não fosse alvo de processo-crime — as quantidades detidas não podiam “exceder a quantidade necessária para o consumo médio individual durante o período de dez dias”.
Nesta versão anterior, o legislador estabelecia uma clara fronteira entre o crime e a contraordenação em função da quantidade detida. Isto é, se excedesse a quantidade necessária para o consumo médio individual durante o período de 10 dias, constituía crime de consumo, previsto no artigo 40.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 15/93; se não excedesse, tratar-se-ia apenas de contraordenação.
Assim, perante a apreensão de uma quantidade inferior àquele limite, a autoridade policial comunicava imediatamente o auto de notícia e apreensão à Comissão de Dissuasão da Toxicodependência (“CDT”) para efeito de desencadear o procedimento contraordenacional.
Na redação atual, a compra e detenção de uma quantidade de droga superior ao consumo médio individual por mais de dez dias é permitida se ficar demonstrado que se destina exclusivamente ao autoconsumo.
A alteração legislativa reflete uma inversão do ónus da prova. A responsabilidade agora recai sobre as autoridades policiais, que devem provar que a quantia encontrada na posse de alguém não foi destinada ao consumo pessoal, mas sim ao tráfico.
• Ausência de limite quantitativo admissível
De acordo com a redação atual do artigo 40.º do Decreto-Lei n.º 15/93, a compra e detenção de uma quantidade de droga superior ao consumo médio individual por mais de dez dias é permitida se for comprovadamente destinada ao autoconsumo, independentemente da quantidade.
Assim, se um indivíduo tiver uma quantidade maior do que a média para um período de dez dias de consumo, mas ficar demonstrado que é para autoconsumo (sem especificar o máximo admissível), não será punido.
A ausência de um limite quantitativo admissível esbate a fronteira entre o tráfico e consumo, dificultando a averiguação pelas autoridades policiais quanto à finalidade da posse de droga.
• Penalização agravada do cultivo
O Decreto-Lei n.º 15/93, na sua redação atual, vem determinar que a aquisição e a detenção para consumo próprio de estupefacientes, independentemente da quantidade que o agente detenha, apenas integra a prática de uma contraordenação – excluindo o cultivo.
A presente alteração legislativa manteve a pena privativa da liberdade ou multa para o cultivo de plantas, ainda que com o propósito de autoconsumo, ao estabelecer no artigo 40.º, n.º 1 “Quem, para o seu consumo, cultivar plantas, substâncias ou preparações compreendidas nas tabelas i a iv é punido com pena de prisão até 3 meses ou com pena de multa até 30 dias.”
A presente alteração legislativa visa clarificar o sistema de sanções para a apreensão de drogas para consumo, independentemente da quantidade. O papel dos tribunais será determinante na interpretação deste novo quadro normativo sobre as drogas sintéticas nos próximos anos.
O diploma entrou em vigor no dia 8 de setembro de 2023.
[1] Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, disponível aqui.
[2] A versão anterior do Decreto-Lei n.º 15/93 no artigo 40.º dispunha que “Quem consumir ou, para o seu consumo, cultivar, adquirir ou detiver plantas, substâncias ou preparações compreendidas nas tabelas I a IV é punido com pena de prisão até 3 meses ou com pena de multa até 30 dias.”
[3] Lei n.º 30/2000, de 29 de novembro, que determina o regime jurídico aplicável ao consumo de estupefacientes e substâncias psicotrópicas, bem como a proteção sanitária e social das pessoas que consomem tais substâncias sem prescrição médica, disponível aqui.