A Diretiva Unshell propõe um regime específico para combater a utilização de empresas para fins de elisão ou fraude fiscal.
Em linha com as ações previstas na agenda da política fiscal da União Europeia para a reforma do sistema de tributação das sociedades, foi publicada, no dia 22 de dezembro de 2021, a Proposta de Diretiva n.º 2021/0434, do Conselho (doravante designada de “Diretiva Unshell”) que introduz um conjunto de regras para evitar a utilização indevida de entidades de fachada (sem substância económica) e que visam exclusivamente a obtenção de vantagens fiscais.
Caso seja adotada, como se espera, a Diretiva Unshell deverá ser transposta pelos Estados-Membros até 30 de junho de 2023, devendo a sua entrada em vigor ocorrer a 1 janeiro de 2024.
Respondemos, de seguida, às cinco questões essenciais para compreender o que são empresas de fachada e quais as consequências decorrentes de tal qualificação
O que são empresas sem substância económica?
O que devo saber? Consideram-se empresas sem substância económica todas as que, por um lado, não preencham um conjunto de elementos (denominados indicadores de substância) e, por outro lado, que não demonstrem que não são utilizadas com o principal objetivo de obter uma vantagem fiscal.
A Diretiva Unshell propõe um regime específico para combater a utilização de empresas para fins de elisão ou fraude fiscal. Consideram-se empresas quaisquer entidades que exerçam uma atividade económica, independentemente da sua forma jurídica, desde que sejam consideradas residentes para efeitos fiscais num Estado-Membro da União Europeia.
A avaliação do nível de substância económica de uma empresa passa, desde logo, pela verificação preliminar de um conjunto de critérios (denominados de “gateways”) que permitem identificar empresas que apresentem risco de abuso ou elisão fiscal. Sem prejuízo dessa análise preliminar, são definidos outros critérios relevantes para a qualificação como empresa de fachada, sendo, contudo, permitido às empresas que demonstrem a existência de razões económicas válidas para a sua constituição.
Quais são os critérios de (falta de) substância (gateways)?
O que devo saber? As empresas que cumpram com os gateways ficam obrigadas a incluir um conjunto adicional de informações na sua declaração anual de rendimentos. Deste modo, as autoridades fiscais dos Estados-Membros podem mais facilmente identificar as entidades que aparentam não ter substância económica suficiente.
De forma a identificar as entidades que apresentam um risco de não cumprirem com níveis mínimos de substância económica, são estabelecidos os seguintes três critérios (os “gateways”) cuja aplicação é cumulativa:
i) Gateway 1: empresas cujas receitas dos dois exercícios anteriores correspondem a mais de 75% de rendimentos passivos 1;
ii) Gateway 2: empresas que exercem maioritariamente atividades transfronteiriças 2; e
iii) Gateway 3: empresas não têm recursos próprios para o desenvolvimento da sua atividade, recorrendo à subcontratação de funções de gestão, seja gestão corrente, seja ao nível da tomada de decisões estratégicas, nos dois exercícios anteriores.
Caso estejam preenchidos estes três critérios, a empresa fica sujeita a obrigações de reporte na sua declaração anual de rendimentos (‘empresa declarante’). As autoridades fiscais dos Estados-Membros passam, assim, a possuir toda a informação necessária para mais facilmente identificar as entidades que aparentam não cumprir com os níveis mínimos de substância económica.
Qual a informação a reportar?
O que devo saber? Quando qualificada como declarante, a empresa deverá incluir na sua declaração anual de rendimentos um conjunto de elementos (os indicadores de substância mínima) que, caso não cumpram com os critérios previstos na Diretiva Unshell, levam à aplicação de uma presunção de que a empresa não tem um nível mínimo de substância económica.
Quando as empresas não satisfaçam o “teste de substância”, qualificando-se assim como empresas declarantes, ficam sujeitas à obrigação de reporte, na sua declaração anual de rendimentos, de um conjunto de elementos e informações relevantes – os indicadores de substância mínima.
Estes indicadores de substância visam, essencialmente: verificar: (i) se a empresa detém instalações próprias no Estado-Membro de constituição, ou se as instalações são de uso exclusivo; (ii) se a empresa tem, pelo menos, um conta bancária própria e ativa na União Europeia; (iii) se os administradores e/ou trabalhadores são residentes fiscais no Estado-Membro de constituição (ou num outro Estado-Membro que permita o exercício das funções no país da constituição) e se têm as qualificações exigidas para a atividade desenvolvida.
Estando preenchidos os três indicadores de substância, a empresa presume-se como tendo substância económica. Caso assim não seja, presume-se que a empresa não tem substância económica, ficando assim sujeita às consequências previstas na Diretiva.
Sem prejuízo desta presunção, as empresas podem sempre apresentar informação e documentação adicional que demonstre os motivos comerciais subjacentes à sua constituição, assim como relativos às tomadas de decisão para a sua gestão.
Nestes termos, a presunção poderá ser ilidida caso a empresa demonstre que: (i) a sua atividade é efetivamente controlada no Estado-Membro da sua constituição; e (ii) suporta os riscos dessa atividade.
Para além do mais, sempre que a existência da empresa não reduza a dívida fiscal do seu beneficiário efetivo ou do grupo onde a mesma se insere, considerado no seu conjunto (condição da qual a entidade deverá fazer prova), os Estados-Membros podem isentá-la do cumprimento das obrigações declarativas previstas na Diretiva Unshell – mesmo não estando cumpridos os indicadores mínimos de substância.
Quais são as consequências de ser uma empresa sem substância?
O que devo saber? As empresas sem substância económica deixam de poder beneficiar das vantagens fiscais decorrentes da aplicação de Convenções para Evitar aDupla Tributação e das Diretivas Europeias. Para além do mais, determinados rendimentos serão imputados e tributados ao nível do sócio que seja residente fiscal num Estado-Membro da União Europeia.
As empresas que não cumpram com os indicadores mínimos de substância e, simultaneamente, não consigam demonstrar a racionalidade económica da sua existência (ou seja, as empresas sem substância económica ou de fachada), ficam sujeitas às seguintes consequências:
i) Inaplicabilidade das Convenções para Evitar a Dupla Tributação celebradas com o Estado-Membro da residência da empresa de fachada;
ii) Inaplicabilidade das Diretivas “Mães-Filhas” 3 e “Juros e Royalties” 4
iii) Impossibilidade de obtenção de um certificado de residência fiscal para apresentação noutras jurisdições (ou obtenção de certificado de residência onde esteja expressamente indicada a inaplicabilidade das Convenções e Diretivas);
iv) Determinados rendimentos gerados pela empresa sem substância económica serão imputados ao seu sócio, desde que este seja residente fiscal num Estado-Membro da União Europeia, e tributados nesse Estado-Membro.
Existe um carve-out para algum tipo de empresa?
O que devo saber? Não se qualificam como empresas declarantes e, consequentemente, não ficam sujeitas às consequências previstas na Diretiva Unshell um conjunto de determinado de entidades – seja pela sujeição a supervisão, seja pelo âmbito geográfico da sua atividade ou pela residência dos seus sócios.
A Diretiva elenca um conjunto de empresas que, pelas suas características (sujeição a supervisão, âmbito geográfico da sua atividade, residência dos sócios, etc.) se qualificam como empresas não declarantes, ficando assim não sujeitas às consequências aplicáveis às empresas sem substância. Nesse elenco de entidades incluem-se, designadamente:
i) As empresas que tenham valores mobiliários admitidos à negociação ou cotados em bolsa ou em sistema de negociação multilateral;
ii) As empresas financeiras regulamentadas;
iii) As empresas dedicadas principalmente à detenção de partes de capital de entidades operacionais que se encontrem estabelecidas no mesmo Estado-Membro, contando que o beneficiário efetivo seja igualmente residente nesse Estado-Membro;
iv) As empresas com atividade de gestão de sociedades 5 que se encontrem estabelecidas no mesmo Estado-Membro da residência do(s) seu(s) acionista(s)/sócio(s) ou da entidade-mãe última; e
v) Empresas que empreguem, pelo menos, cinco trabalhadores a tempo inteiro ou membros do staffque se dediquem exclusivamente à atividade que gera o rendimento relevante dessas entidades.
1 Nos termos da proposta de Diretiva, este critério considera-se também preenchido quando: (i) mais de 75% do ativo da empresa seja composto por bens móveis para fins privados de valor superior a € 1.000.000 (excluindo dinheiro, ações ou outros valores mobiliários) ou bens imóveis; ou (ii) mais de 75% do ativo da entidade seja composto por ativos a partir dos quais seja possível auferir dividendos ou rendimentos provenientes da alienação de partes de capital.
2 Consideram-se empresas com atividades maioritariamente transfronteiriças aquelas em que: (i) mais de 60% do valor contabilístico de certo tipo de ativos (bens móveis acima de um determinado valor e bens imóveis) estejam situados num outro Estado-Membro da União Europeia; ou (ii) pelo menos 60% dos rendimentos passivos auferidos tenham origem em operações transfronteiriças.
3 Diretiva 2011/96/UE do Conselho, de 30 de novembro.
4 Diretiva 2003/49/CE do Conselho, de 3 de junho.