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Num momento em que o combate às alterações climáticas marca a agenda dos governos, instituições e dos operadores económicos, os mercados voluntários de carbono vêm, enquanto instrumento para esse efeito, suscitando cada vez mais interesse [1].
A ideia geral destes mercados é a de que projetos de vários tipos (que podem estar relacionados com a criação, reforço ou manutenção de floresta, com a implementação de energia renovável ou com pradarias marinhas ou outros projetos de “carbono azul”, etc.) transformem a sua capacidade de sequestro de gases com efeito de estufa (GEE) em títulos transacionáveis. Para atingir a neutralidade carbónica, operadores e cidadãos podem adquirir esses títulos e, assim, compensar as suas emissões de GEE, o que é especialmente relevante nos setores em que a redução de emissões seja funcional ou tecnologicamente mais difícil (hard to abate sectors).
Em linha com esta agenda e com a aprovação dos atos europeus relativos à taxonomia, também em Portugal os mercados voluntários adquiriram relevância, a ponto de ter sido emitido o Despacho n.º 12401/2020, de 21 de dezembro, por meio do qual o Ministro do Ambiente e da Ação Climática impulsionou o desenvolvimento de uma proposta de quadro regulamentar para os mesmos.
Assim, espera-se que num futuro próximo venham a ser aprovados diplomas que regulem esta matéria, tanto a nível nacional, como a nível europeu, conforme recentemente anunciado pela Comissão Europeia relativamente à proposta de regulamento europeu sobre a certificação de remoções de carbono de elevada qualidade.
Em 1994 entra em vigor a Convenção-Quadro para as Alterações Climáticas (CQAC) e, no seu seio, em 1997, no âmbito da 3.ª COP (conferência das partes da CQAC), foi adotado o Protocolo de Quioto, que estabeleceu, por um lado, obrigações de redução de emissões de GEE e, reflexamente, proibição de aumento desses mesmos gases. Em linha semelhante, na COP21, foi celebrado o Acordo de Paris (2015).
Para dar cumprimento aos compromissos de Quioto, a União Europeia (UE) adotou o modelo do Comércio Europeu de Licenças de Emissão (CELE) – cap and trade – que iniciou funcionamento em 2005 e que vigora até hoje. Entretanto, noutros pontos do globo, sistemas semelhantes foram adotados, dando origem ao atual sistema internacional de transferência de licenças de emissão, ditas “unidades de Quioto”, e cujos títulos são, na generalidade, reconhecidos no Mercado Único.
Há que diferenciar sistemas de redução de emissões – como é o CELE –, que lida com licenças de emissão, dos sistemas de compensação ou redução de emissões (carbon removals ou carbon offsets), onde se inscrevem os ditos mercados voluntários de “créditos de carbono”. A diferença entre ambos vai ao ponto de inviabilizar a utilização de “créditos de carbono” como se fossem licenças de emissão, já que a finalidade de uns e de outros é bem distinta. Por exemplo, não é possível, hoje, reduzir emissões sujeitas a monitorização CELE (e não ter as correspondentes licenças de emissão) alegando que se comprou o equivalente em “créditos de carbono” em mercado voluntário.
O primeiro grande sistema de compensação constava do Protocolo de Quioto, ao permitir que um Estado-Parte compensasse desvios às metas a que se encontrava vinculado por meio de outro Estado que tivesse esquemas de sequestro de GEE mais desenvolvidos ou, pura e simplesmente, tivesse mais sumidouros naturais, maxime floresta e, portanto, excesso de sequestro face às metas a que este se tinha vinculado. Sem prejuízo, esse sistema de compensação tinha natureza subsidiária, na medida em que o esforço de redução tinha verdadeiramente de ocorrer.
Este tipo de sistemas voluntários de compensação materializa-se hoje nos designados mercados de redução ou compensação voluntária de GEE, onde são emitidos os chamados “créditos de carbono” (por vezes designados verified emission reductions ou verified carbon units). Mas existem outras formas de compensação.
Os modelos de offset disponíveis para as empresas são essencialmente três:
i) Modelo de offset direto: o operador emitente de GEE tem sob sua direção a implementação de mecanismos de sequestro das suas próprias emissões, por exemplo, gere as suas florestas em termos que permita atingir o net-zero da sua atividade;
ii) Modelo de offset indireto (bilateral): um operador emitente adquire por instrumentos bilaterais capacidade de sequestro diretamente a terceiros, sejam operadores emitentes que utilizem o modelo de offset direto e aí tenham excedente e/ou operadores nãoemitentes que desenvolvem exclusivamente projetos de sequestro;
iii) Modelo de offset por mercado voluntário: onde se adquirem “créditos de carbono”, cujo funcionamento se caracterizará melhor abaixo.
Antes de caracterizar estes dois tipos de mercados, deve ter-se presente que a dicotomia mercado voluntário vs. mercado regulado não é precisa, já que dificilmente os mercados voluntários estarão isentos de qualquer tipo de regulação. Pelo contrário, a tendência é para que os mercados voluntários de créditos de carbono sejam crescentemente regulados, através da imposição de regras e padrões comuns de validação e verificação de projetos de redução de emissões.
A contraposição deve antes ser feita entre mercados voluntários (voluntary) e mercados obrigatórios (mandatory / compulsory / compliance).
Em matéria de GEE, o único mercado obrigatório na UE é o CELE, mas mercados voluntários podem surgir muitos e de vários tipos. Importante é perceber os níveis em que se distinguem e em que se podem conectar este tipo de mercados, sendo os principais os seguintes:
i) A nível da função: o CELE é um mercado cap and trade que incentiva a redução de emissões de GEE, por via da imposição de um valor pago pelas emissões, mas não garante que essa redução ocorreu. Os mercados voluntários de redução de carbono certificam que uma determinada redução de emissões ocorreu, podendo o crédito que a comprova ser utilizado por quem o adquira para demonstrar a compensação das suas emissões;
ii) A nível do objeto: atualmente o CELE, verdadeiramente, não cobre todos os GEE. Por exemplo, o metano, os HFC e o SF6, apesar de expressamente listados como GEE nos instrumentos aplicáveis, não têm correspondência com qualquer tipo de instalação atualmente abrangida pelo CELE, pelo que só podem ser tratados no âmbito dos mercados voluntários, se o mercado em causa assim o entender. Assim, podem surgir “mercados voluntários de carbono”, “mercados voluntários de metano”, “mercados voluntários de GEE”, etc.
Num mercado voluntário, existem dois conjuntos essenciais de intervenientes para a compra e venda de títulos de GEE. É a soma das vontades destes atores principais – diferentes, mas convergentes – que, encontrando-se, permite fazer nascer e manter vivo o mercado:
i) Promotores de atividades e projetos com capacidade de sequestro de GEE superior às respetivas emissões e que pretendem transformar esse “excedente de sequestro” em títulos e disponibilizá-los para venda – criando, assim, uma nova fonte de receita para a sua atividade (agentes da oferta);
ii) Operadores emitentes que, não conseguindo eliminar totalmente as emissões de GEE das suas atividades, pretendem compensá-las com a capacidade de sequestro desses projetos (agentes da procura).
Mas outras entidades têm de entrar em cena para permitir a operacionalização do mercado voluntário.
Desde logo, a intervenção de verificadores é imprescindível, pois são eles que tornam os mercados confiáveis. Sendo idealmente externos e independentes relativamente à oferta e à procura, o seu principal papel é verificar quão “verdes” são os projetos e concluir se, a final, estão reunidas as condições para os títulos correspondentes receberem validação.
Para o efeito, estas entidades verificam, inclusive no local, se os standards definidos pelo mercado para avaliação da capacidade de sequestro de GEE de cada projeto efetivamente se cumprem (validação ex ante). Assim, os verificadores garantem a elegibilidade de projetos à luz das regras do próprio mercado, assegurando que procura e oferta efetivamente se encontram.
Feita a validação dos projetos, podem equacionar-se dois modelos para as emissões dos títulos:
i) Emissão pelo verificador, em nome e por conta de agentes da oferta;
ii) Emissão pelos agentes da oferta, após habilitação pelo verificador.
Os verificadores não atuam apenas nos termos descritos (verificação prévia); cabe-lhes ainda a importante tarefa de assegurar a permanência da realidade subjacente ao título (verificação sucessiva ou ex post).
Por fim, no topo das responsabilidades, surge o gestor do mercado, a quem incumbe organizar o encontro da oferta e da procura, definir os standards de elegibilidade de intervenientes e de projetos, estabelecer as regras de funcionamento do mercado e garantir o seu cumprimento. Neste âmbito, embora não sendo absolutamente necessário que assim seja, cabe ainda ao gestor do mercado organizar a plataforma de registo dos títulos de carbono emitidos, transferidos e cancelados.
Finalmente, deve dar-se nota que os mercados voluntários comportam ainda a presença de outros intervenientes cuja participação se justifica pela natureza dos títulos de carbono. Sendo tais títulos um ativo transacionável, a sua (re)circulação é uma atividade em si mesma, podendo por isso dar origem a um mercado secundário que se forma paralelamente e na dependência do mercado primário.
Em decorrência dos princípios estabelecidos no Protocolo de Quioto e no Acordo de Paris, formou-se um consenso em torno de um conjunto básico de garantias de qualidade que devem estar subjacentes à criação e transação dos títulos, tendo em vista assegurar a credibilidade do sistema e impedir o greenwashing.
Existem fundamentalmente sete garantias que os mercados voluntários devem oferecer:
i) Adicionalidade: os projetos subjacentes aos títulos devem ser adicionais, isto é, a sua implementação não pode estar num plano de business-as-usual. Por isso, a adicionalidade só se verifica se a execução do projeto for voluntária, se não tiver origem no cumprimento de uma obrigação legal ou se não decorrer de outros fatores análogos como desenvolvimento tecnológico;
ii) Proibição de dupla contagem: uma determinada quantidade sequestrada e titulada só pode ser objeto de um (e só um) título de compensação. Caso contrário, o efeito de compensação dissipa-se a ponto de o título perder o seu valor representativo unitário (princípio “one tonne is one tonne”);
iii) Permanência: impõe que o projeto garanta o sequestro de modo duradouro, evitando que o carbono sequestrado por via do projeto seja libertado para a atmosfera ou que o efeito de sequestro simplesmente se extinga (por exemplo, por desativação do projeto). É boa prática fixar um prazo de validade para o título tendo em conta a tipologia do projeto;
iv) Quantificação: o volume de emissões que um projeto permite sequestrar deve ser mensurável, suscetível de quantificação, sob pena de inelegibilidade para efeitos de mercado voluntário;
v) Sustentabilidade: o projeto que dá origem aos títulos deve ser analisado numa perspetiva holística, ou seja, devem ser considerados todos os efeitos que dele podem decorrer, incluindo eventuais efeitos negativos, por exemplo, sociais ou ambientais. Nesta perspetiva, é também importante garantir que o projeto cumpre os requisitos legais aplicáveis na jurisdição em que é executado;
vi) Transparência: à falta de uma centralização numa entidade que supervisione o funcionamento de todos os mercados voluntários em conjunto, e para melhor garantir que não ocorre dupla contagem, é boa prática que os títulos já transacionados e o projeto subjacente sejam tornados públicos. Com esse objetivo, o gestor do mercado pode até estabelecer protocolos com outros mercados voluntários;
vii) Independência: enquanto a transparência opera sobretudo a nível inter-mercados, a independência é uma garantia intra-mercado, na medida em que este só funciona em termos credíveis se os verificadores forem efetivamente independentes face aos agentes da oferta e da procura. Para assegurar que tal ocorre, o gestor do mercado pode acumular funções de verificação desde que seja efetivamente independente face aos agentes de mercado (oferta e procura). Pela inversa, não deverá acumular as ditas funções, tendo de recorrer a verificadores externos, caso seja descortinável alguma situação que possa comprometer não só a efetiva independência, mas também a aparência da mesma.
Para além de constituírem um instrumento de fomento de projetos que compensem emissões, especialmente emissões difíceis de reduzir (dos chamados hard to abate sectors), os mercados de créditos voluntários de carbono abrem diversas oportunidades para a criação de valor. Estas oportunidades serão progressivamente crescentes à medida em que as seguintes condições se consolidem:
i) For aumentando a exigência dos stakeholders e comunidade em geral em torno do combate às alterações climáticas; e
ii) For sendo criada regulamentação, como está proposto ao nível europeu, que assegure padrões e metodologias comuns de contabilização, validação e verificação dos projetos de remoção de carbono e a credibilidade e seriedade da atividade de validação e verificação da redução de emissões.
Paralelamente a outras que o dinamismo do mercado se encarregue de criar, podem enumerar-se algumas das oportunidades de criação de valor a partir dos mercados de créditos de carbono:
i) Promotores de projetos florestais ou outros projetos que captem carbono do ar ou o retenham no solo (incluindo o carbon farming) ou em produtos podem ter uma fonte adicional de receita;
ii) Os operadores de projetos que pretendam adquirir créditos de carbono obtêm por esta via uma forma de, querendo, empreenderem programas de redução ou compensação de emissões que sejam credíveis;
iii) Padrões e metodologias de certificação regulamentados e credíveis permitem abrir a porta ao financiamento de projetos de redução de emissões carbónicas, seja por financiamento privado, seja por financiamento público.
Por fim, é um facto que os mercados voluntários não servem apenas às empresas e aos Estados. Na verdade, no âmbito da cidadania climática que integra o direito ao equilíbrio climático e o poder de o exigir, cada vez é mais evidente que o comum cidadão pode também ele utilizar estes mercados para oferecer a sua contribuição para um ambiente e clima sadios.
Já hoje algumas das grandes empresas emitentes adquirem e transacionam créditos voluntários de carbono certificados pelos registos da Gold Standard, Verra ou outros. São predominantes projetos de compensação e remoção de carbono fora da Europa.
Porém, é expectável que o mercado cresça exponencialmente no futuro, com a maior regulação destes mercados e criação de padrões e metodologias comuns, afastando a perceção, que ainda existe, de opacidade e falta de transparência deste mercado.
A Comissão Europeia avançou já com uma proposta de regulamentação dos mercados voluntários de carbono, e Portugal colocou também já esse tema na agenda. Este passo será decisivo para a dinamização destes mercados na Europa.
[1] Note-se que a par destes existem outros mercados emergentes em matéria ambiental e climática, como o dos designados “biocréditos”, que esteve recentemente sob discussão na Convenção sobre Diversidade Biológica que decorreu em Montréal. Os “biocréditos” são instrumentos que titulam contribuições para a manutenção ou salvaguarda do equilíbrio ecológico, designadamente por via de financiamento privado.