Prevenção e Combate ao Branqueamento de Capitais e ao Financiamento do Terrorismo
No próximo dia 24.02.2023 entra em vigor o Regulamento n.º 1191/2022 da ASAE[1] (“Regulamento”)[2] que fixa as condições e determina o conteúdo do exercício de deveres de prevenção e combate ao branqueamento de capitais e do financiamento do terrorismo (“BC/FT”).
Este Regulamento concretiza a Lei n.º 83/2017, de 18 de agosto, que estabelece medidas de natureza preventiva e repressiva de combate ao BC/FT, revoga o Regulamento da ASAE n.º 314/2018, de 25 de maio e vem introduzir alterações e clarificações quanto ao modo de cumprimento daqueles deveres.
Entre as alterações mais relevantes, sem prejuízo da extensa regulamentação trazida pelo novo Regulamento, destacamos as seguintes:
Sujeitas ao Regulamento e à fiscalização da ASAE estão, pelo menos, as seguintes entidades – a que acrescem outras cuja supervisão ou fiscalização não seja da competência exclusiva de outra entidade setorial[3]:
i) Em numerário, se o valor da transação for igual ou superior a € 3.000,00 (três mil euros); ou
ii) Através de outro meio de pagamento, se o valor da transação for igual ou superior a € 10.000,00 (dez mil euros).
A Lei não concretiza o conceito de “bem de elevado valor unitário”, que o Regulamento agora define como o bem que, pelo seu valor intrínseco, conjugado com o montante da transação, possa constituir um risco em matéria de BC/FT, designadamente:
1. ouro e outros metais preciosos, pedras preciosas, antiguidades, aeronaves, embarcações e veículos automóveis;
2. autocaravanas, motociclos, vestuário e acessórios, cosmética, mobiliário, equipamentos eletrónicos e bebidas alcoólicas; e
3. transações relacionadas com petróleo, armas, produtos do tabaco, artefactos culturais e outros artigos de relevância arqueológica, histórica, cultural e religiosa ou de valor científico raro, marfim e espécies protegidas.
Manual de prevenção de BC/FT
O novo Regulamento vem clarificar que as políticas e procedimentos internos devem incluir, pelo menos, um manual de prevenção de BC/FT, que deve ser reduzido a escrito, encontrar-se disponível para utilização e consulta pelos trabalhadores relevantes e conter informação completa sobre, pelo menos:
Responsável pelo cumprimento normativo
Um elemento da direção de topo ou equiparado deve ser designado como responsável pela implementação das políticas internas e pelo controlo do cumprimento do quadro normativo.
Avaliação periódica de eficácia
É obrigatória e visa monitorizar a qualidade, adequação e eficácia das políticas, dos procedimentos e dos controlos implementados, de modo a corrigir as deficiências detetadas que afetem o correto funcionamento do controlo interno de risco. Diz o novo Regulamento que deve incidir, pelo menos, sobre (i) o modelo de gestão de riscos e demais políticas, procedimentos e controlos, (ii) a qualidade e adequação das comunicações e demais informações prestadas às autoridades judiciárias, policiais e setoriais e (iii) o estado de execução de eventuais medidas corretivas.
A avaliação pode ser interna ou externa e a sua extensão deve ser proporcional à natureza, dimensão, complexidade e riscos associados à atividade da entidade. Os resultados da avaliação devem constar de documento escrito e esta avaliação deixa de ser anual para passar a ser realizada:
Ferramentas ou sistemas de informação
Visam permitir uma gestão eficaz dos riscos de BC/FT e devem ser adequados e proporcionais à natureza, dimensão, complexidade e riscos da atividade prosseguida. Devem permitir:
1. de alterações injustificadas de conduta no padrão usual de um dado cliente ou conjunto de clientes relacionados entre si, quando estas possam representar um risco;
2. de operações ou conjunto de operações que denotem elementos caracterizadores de suspeição, bem como aquelas que suscitem a adoção de medidas reforçadas;
Contratação à distância
Passa a prever-se a possibilidade de identificação do cliente por videoconferência ou gravação de vídeo, quando não seja possível ou viável a identificação através de outros meios e serviços tecnológicos e desde que (i) o processo de identificação, em tempo real, seja gravado durante toda a sua duração, (ii) haja consentimento prévio por parte do cliente, e (iii) durante o procedimento, seja exibido a frente e o verso do documento de identificação do cliente, devendo a entidade obrigada captar e conservar registo fotográfico deste documento.
Modelos de identificação de clientes
Estes modelos, anexos ao Regulamento, dispõem agora de mais campos de preenchimento e todos são de preenchimento obrigatório. Devem ser digitalmente preenchidos e submetidos no domínio online da ASAE, impressos para recolha da assinatura do cliente e arquivados e conservados pela entidade, anexando-se os documentos que os complementem. Só é admissível o seu preenchimento manual quando não esteja disponível o preenchimento online e deixa de ser possível (e obrigatório, em certos casos) enviar estes elementos à ASAE via email. O Regulamento esclarece que, nas transações ocasionais, a identificação deve ocorrer em momento anterior à conclusão das mesmas e, nas relações de negócio, a identificação deverá ser feita no prazo máximo de 30 (trinta) dias após o seu estabelecimento, concretizando o que deve entender-se por “mais curto prazo possível” referido pela Lei[6].
Medidas simplificadas
A par das medidas reforçadas, o novo Regulamento prevê a adoção de medidas simplificadas quando o risco seja comprovadamente reduzido.
Formação
Passa a ser obrigatoriamente ministrada no prazo máximo de 180 (cento e oitenta) dias quando sejam admitidos trabalhadores cujas funções sejam relevantes na prevenção do BC/FT[7]. É também obrigatório ministrar, pelo menos, uma ação de formação:
A formação pode ser interna ou externa[8] e deve adaptar-se aos graus de complexidade das operações e de exposição ao risco, ainda que com uma carga horária mínima de 3 (três) horas e incidindo, pelo menos, sobre: (i) deveres preventivos; (ii) diretivas, normas regulamentares ou outras, bem como orientações nacionais, internacionais e comunitárias, aplicáveis ao sector; (iii) tipos de operações relacionadas com a prática de crimes de BC/FT; (iv) políticas e procedimento internos adotados; (v) tratamento de dados pessoais; (vi) guias de orientação ou recomendações emitidas pela ASAE.
Devem ser conservados os documentos comprovativos das ações de formação realizadas e quando a formação for interna, exige o Regulamento que destes conste, pelo menos: a denominação da ação, a data de realização, a identificação do formador e a menção à formação específica do mesmo, a duração em horas, o plano da ação, o nome e função dos formandos e a avaliação final dos formandos, quando exista.
A ASAE pode impor a adoção de medidas corretivas, recomendações e contramedidas e o incumprimento das disposições do Regulamento poderá gerar a responsabilidade contraordenacional da entidade obrigada.
[1] Autoridade de Segurança Alimentar e Económica.
[2] O Regulamento foi publicado em 26.12.2022 e pode ser consultado em Regulamento n.º 1191/2022, de 26 de dezembro | DRE
[3] Como sejam: Serviço de Regulação e Inspeção de Jogos do Turismo de Portugal, I. P.; Inspeção-Geral do Ministério do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social; IMPIC, I. P.; CMVM; Ordem dos Contabilistas Certificados; Ordem dos Advogados; Ordem dos Solicitadores e Agentes de Execução; Banco de Portugal.
[4] O Regulamento define como “comerciante” todo o profissional que pratica atos de comércio, em especial através da celebração de contratos de compra e venda, cuja contraparte é o cliente, enquanto consumidor final, excluindo as relações comerciais na cadeia de produção, intermediação e grossista.
[5] Nos termos do Regulamento, deve entender-se como contratação à distancia a que ocorra entre o cliente e o fornecedor de bens ou o prestador de serviços, sem presença física simultânea de ambos, e integrado num sistema de venda ou prestação de serviços organizado para o comércio à distância mediante a utilização exclusiva de uma ou mais técnicas de comunicação à distância até à celebração do contrato, incluindo a própria celebração, ainda que a entrega posterior do bem ou serviço seja feita presencialmente.
[6] O artigo 26.º da Lei exige a reunião de vários requisitos cumulativos para que esta verificação de identidade possa ser completada após o início da relação de negócio (designadamente, que a situação seja de risco reduzido e que esse diferimento seja necessário para não interromper o normal desenrolar do negócio).
[7] O trabalhador que exerça funções em áreas como atendimento ao público, promoção de negócios, vendas, contabilidade e financeira, bem como, os respetivos dirigentes das entidades obrigadas.
[8] As entidades formadoras, internas ou externas, devem reunir uma série de requisitos previstos no regulamento e exige-se o parecer prévio do responsável pelo cumprimento normativo. Passam a ser expressamente considerados, para estes efeitos, conferências, seminários ou eventos similares e frequência, com aproveitamento, de unidades curriculares de cursos de pós-graduação ou de cursos de ensino superior.