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Novo regime jurídico
Foi em 6 de dezembro de 2023 publicado o Decreto-Lei n.º 114-A/2023, de 5 de dezembro, que transpõe a Diretiva (UE) 2020/1828 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 25 de novembro de 2020, relativa a ações coletivas para proteção dos direitos e interesses coletivos dos consumidores (Diretiva).
O objetivo desta Diretiva é garantir a existência de um mecanismo processual uniforme de ação coletiva, que esteja à disposição dos consumidores em cada um dos Estados-Membros para obtenção i. de medidas inibitórias, destinadas a fazer cessar ou proibir, a título provisório ou definitivo, práticas ilícitas de um profissional, e de ii. medidas de reparação, aqui se incluindo meios de ressarcimento variáveis conforme o caso.
O novo regime será aplicável apenas quando estejam em causa infrações que tenham lesado ou sejam suscetíveis de lesar os direitos e interesses coletivos dos consumidores (incluindo infrações que tenham cessado antes de ter sido intentada a ação coletiva ou antes da sua conclusão).
Estão designadamente em causa infrações às disposições do direito nacional e da União Europeia identificadas no anexo I da Diretiva e/ou noutra legislação de defesa do consumidor em vigor no ordenamento jurídico nacional.
No referido anexo I da Diretiva identificam-se 66 diplomas da UE, entre os quais responsabilidade decorrente dos produtos defeituosos, cláusulas abusivas nos contratos celebrados com os consumidores, venda de bens de consumo e garantias a ela relativas, segurança geral dos produtos, tratamento de dados pessoais e proteção da privacidade no setor das comunicações eletrónicas, práticas comerciais desleais das empresas face aos consumidores, comercialização à distância de serviços financeiros, contratos de fornecimento de conteúdos e serviços digitais, entre outros.
Nos demais casos (infrações de direitos e interesses coletivos de outra natureza) aplicar-se-á a Lei n.º 83/95, de 31 de agosto (a Lei que regula o Direito de Participação Procedimental e de Ação Popular). Em qualquer caso, em tudo o que não se encontre previsto no novo diploma continuarão a aplicar-se as normas previstas na Lei n.º 83/95, de 31 de agosto, e na Lei n.º 24/96, de 31 de julho.
O novo diploma entra em vigor em 7 de dezembro de 2023, aplicando-se às ações coletivas intentadas a partir dessa data.
1. Este novo regime prevê que são titulares do direito de ação coletiva as associações e as fundações, independentemente de terem ou não interesse direto na demanda, e as autarquias locais. O elenco de requisitos de legitimidade para intentar a ação coletiva passa a incluir também, de forma expressa, requisitos relacionados com a independência das associações e fundações. O novo diploma prevê que a associação ou fundação demandante em uma ação coletiva não pode exercer qualquer tipo de atividade profissional concorrente com empresas ou profissionais liberais, e terá que ser independente e isenta de influência exercível por parte de pessoas que não sejam consumidores, em especial por parte de profissionais que tenham um interesse económico na instauração da ação. Para este efeito o novo diploma prevê que uma associação ou fundação é independente se, designadamente, for exclusivamente responsável por tomar as decisões de intentar, desistir ou transacionar no âmbito de uma ação coletiva, tendo por princípio orientador a defesa dos interesses dos consumidores.
2. É indicada como autoridade nacional competente a Direção-Geral do Consumidor, à qual caberá a missão de divulgar ao público, na sua página de internet, além da lista das entidades qualificadas designadas para efeitos de propositura de ações coletivas transnacionais, as informações sobre as ações coletivas em curso e concluídas perante os tribunais portugueses.
3. Fixam-se as regras para designação de entidades qualificadas, com legitimidade para a propositura de ações coletivas transnacionais, perante os tribunais de outros Estados-Membros. Este estatuto será conferido pela Direção-Geral do Consumidor, mediante a verificação do cumprimento de determinados requisitos, às associações e fundações que se candidatem para o efeito. Inversamente, estabelece-se também a possibilidade de entidades qualificadas designadas por outros Estados‑Membros instaurarem ações coletivas transfronteiriças perante os tribunais portugueses.
4. O novo diploma regula também o financiamento das ações coletivas por parte de terceiros, exigindo-se que a entidade demandante disponibilize ao tribunal cópia autenticada do acordo de financiamento, que deve ser redigido de forma clara e compreensível e em língua portuguesa, e incluir uma síntese financeira que enumere as fontes de financiamento utilizadas para apoiar a ação coletiva e as diferentes custas e despesas que serão suportadas pelo terceiro financiador.
Este acordo deve assegurar a independência do demandante e a ausência de conflitos de interesses entre este, os seus financiadores e os interesses dos consumidores, entendendo-se que o demandante é independente do terceiro financiador se for exclusivamente responsável por todas as decisões relativas à ação coletiva, incluindo por exemplo quanto à escolha dos mandatários judiciais e definição da estratégia processual e quanto às decisões de intentar, prosseguir, desistir, transigir, recorrer ou não recorrer e, em geral, praticar ou não praticar qualquer ato processual no âmbito da ação coletiva. Nesta linha, prevê-se também, especificamente, que o financiador da ação coletiva não pode impor, impedir ou influenciar por qualquer forma estas decisões, sendo nulas quaisquer cláusulas em sentido contrário. Se estes pressupostos não se verificarem, o tribunal declarará a ilegitimidade do demandante, podendo o Ministério Público substituir-se a este e prosseguir a ação.
Adicionalmente, o novo diploma determina que o acordo de financiamento não pode prever uma remuneração do financiador que vá para além de um valor justo e proporcional, avaliado à luz das características e fatores de risco da ação em causa e do preço de mercado do financiamento.
5. Em termos de ações coletivas para obtenção de uma medida inibitória
i) Prevê-se que o demandante de uma ação coletiva para obtenção de medida inibitória não tem de provar um dano real sofrido pelos consumidores individuais afetados pela infração em causa, nem a existência de dolo ou negligência por parte do profissional.
ii) Clarifica-se que a instauração de uma ação coletiva para obtenção de uma medida inibitória interrompe o prazo de prescrição aplicável aos consumidores representados nessa ação coletiva para o exercício dos direitos decorrentes da infração em causa (incluindo quanto a medidas de reparação). O prazo recomeça a correr a partir do trânsito em julgado da decisão que ponha termo à referida ação coletiva. Ressalva-se, contudo, que esta previsão se aplica às ações coletivas para obtenção de medidas de reparação decorrentes de infrações ocorridas após a entrada em vigor do novo diploma. Idêntica regra (sem a última ressalva em termos de aplicação da lei no tempo) é prevista para as ações coletivas para obtenção de medidas de reparação.
iii) Prevê-se que as medidas inibitórias definitivas apenas podem ser requeridas uma vez desencadeado um processo de consulta prévia com o profissional, ou seja, uma vez decorrido o prazo de duas semanas após a receção, pelo profissional, de uma carta registada com aviso de receção identificando a conduta / factos em causa e as normas violadas.
iv) O novo diploma revoga a Lei n.º 25/2004, de 08 de julho, relativa a ações inibitórias em matéria de proteção dos interesses dos consumidores.
6. Tal como a Lei n.º 83/95, de 31 de agosto, o novo diploma prevê um regime de opt out (o demandante representa por iniciativa própria, com dispensa de mandato ou autorização expressa, todos os demais titulares dos direitos ou interesses em causa que não tenham exercido o direito de auto-exclusão do processo), podendo este direito de opt-out ser acionado até ao termo da fase de produção de prova, nos termos previstos na Lei n.º 83/95, de 31 de agosto. A única exceção é prevista quanto aos consumidores que não tenham domicílio habitual em Portugal à data da citação dos titulares dos direitos ou interesses em causa em ação coletiva que vise uma medida de reparação (estes só são representados pelo demandante se se manifestarem expressamente nesse sentido) .
7. As decisões transitadas em julgado, incluindo as decisões de homologação de transações, são publicadas e comunicadas aos consumidores.
Quando proferida uma sentença condenatória com componente compensatória, o juiz fixa um prazo razoável para os consumidores lesados individualmente identificados reclamarem a sua indeminização, e ainda os critérios para a sua quantificação de acordo com os danos sofridos por cada um. Não estando individualmente identificados todos os consumidores lesados, é fixado um montante global da indemnização, como também se prevê na Lei n.º 83/95, de 31 de agosto. As indemnizações que não sejam reclamadas pelos consumidores no prazo fixado para o efeito revertem para pagamento da totalidade dos encargos, honorários e demais despesas incorridas pelo demandante com a ação.
A remuneração de um terceiro financiador pode ser enquadrada nestas despesas, desde que respeitado o limite relativo à justiça e proporcionalidade dessa remuneração, o que será aferido pelo tribunal, em despacho proferido após o fim do prazo previsto para a reclamação das indemnizações pelos consumidores, em incidente processado por apenso à ação coletiva. O valor remanescente da indemnização será destinado ao Fundo de Promoção dos Direitos do Consumidor (60%) e ao Instituto de Gestão Financeira e Equipamentos da Justiça, I. P. (40%).
8. Impõe-se aos demandantes a obrigação de divulgação de um conjunto de informações sobre cada uma das ações coletivas intentadas, que deverão estar disponíveis nas suas páginas de internet: a identificação da ação coletiva em causa, com referência à identificação das partes, pedido, número de processo, tribunal e fase processual; e a decisão do tribunal, incluindo indicação de indemnização global e o método de distribuição da indemnização aos representados, quando aplicável).