Foi agora publicada, em Diário da República, a Lei n.º 16/2024, que procede à terceira alteração legislativa à Lei da Rádio.
1. Introdução
No dia 14 de julho de 2023, a Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC) remeteu para apreciação da Assembleia da República, com caráter de urgência, duas propostas de alteração legislativas relativamente a dois dos principais setores dos media. Mais concretamente: a Proposta de alteração à Lei da Rádio [1] (Lei n.º 54/2010, de 24 de dezembro) e a Proposta de alteração à Lei de Imprensa [2] (Lei n.º 2/99, de 13 de janeiro).
Subsequentemente, no passado dia 5 de fevereiro, foi publicada, em Diário da República, a Lei n.º 16/2024, que procede à terceira alteração legislativa à Lei da Rádio.
O diploma entrou em vigor no passado dia 6 de fevereiro, exceto no que diz respeito às entidades que beneficiam, atualmente, da isenção do regime geral de quotas, sendo que, relativamente a estas, o diploma apenas se lhes aplica a partir do dia 6 de maio de 2024.
2. Principais aspetos da Lei n.º 16/2024
De destacar como principais as seguintes alterações:
a) Alargamento das situações em que as operações de concentração estão sujeitas ao parecer prévio vinculativo da ERC (art.º 4.º, n.º 2).
b) Fixação de uma quota mínima de 30% de música portuguesa nos serviços de programas radiofónicos (art.º 41, n.º 1). Desta quota mínima de 30%, pelo menos, 60% deverá corresponder a música em língua portuguesa interpretada por cidadãos dos Estados-Membros da UE (art.º 43.º). Uma vez fixada pelo legislador, a mencionada quota destinada a música portuguesa deixará de sofrer variações anuais, conforme acontecia até ao momento.
c) Os serviços de programas temáticos musicais passam a poder estar abrangidos pelo regime de isenção do cumprimento de quotas de difusão de música portuguesa (art.º 45.º, n.º 1).
d) O acesso ao regime de isenção de quotas de difusão de música portuguesa dependerá de um reconhecimento, prévio, da ERC (art.º 45.º, n.º 1).
e) Os operadores de rádio estão, agora, obrigados a prestar, mensalmente, à ERC os elementos necessários à fiscalização de quotas de difusão de música portuguesa (artigos 47.º-A e 47-B).
Num exercício comparativo entre a Proposta da ERC e a Lei n.º 16/2024 destaca-se a rejeição daquela que tem sido uma tendência do legislador: a opção pelo critério do Estado de destino para aferição do âmbito de aplicação da lei.
Ora, entre outras, uma das alterações substanciais que constavam na Proposta da ERC dizia respeito à modificação do art.º 1.º, quanto ao âmbito de aplicação da Lei da Rádio, que passaria a abranger igualmente os serviços de programas radiofónicos que, apesar de emitirem de fora do país, dirigem a sua programação ao território nacional e em língua portuguesa.
A ERC pretendeu replicar, no plano nacional, aquela que tem sido uma tendência legislativa do legislador europeu. Repare-se, por exemplo, no art.º. 2.º do Digital Services Act[3], no art.º 3.º, n.º 2, do Regulamento Geral sobre a Proteção de Dados[4] ou, mesmo, no art.º 2.º da Proposta de Regulamento sobre as Regras de Harmonização da Inteligência Artificial[5],que prevê a sua aplicação a prestadores de serviços de Inteligência Artificial independentemente de estas empresas estarem estabelecidas na UE ou num país terceiro à UE.
Esta tendência legislativa que visa estender um regime legal ‘além-fronteiras’, é utilizada por forma a garantir que determinado público-alvo, independentemente de onde lhe são prestados os serviços, está abrangido por um mercado seguro, fiável e regulado.
No caso da Lei n.º 16/2024, contrariando aquela que tem sido a tendência legislativa, não foi esta a opção, tendo o legislador optado por circunscrever o âmbito de aplicação apenas às entidades que prossigam atividades de radiodifusão no território nacional.
3. Considerações finais
Em linha com as propostas feitas pela ERC e com a recente publicação da Lei da Rádio, será expectável que venham a ser realizadas alterações à Lei de Imprensa na próxima legislatura.
Além disso, existe uma conjugação de vontades de diversas entidades no sentido de ser iniciado um processo de revisão legislativa da Lei de Imprensa. Entre elas, o Sindicato dos Jornalistas e a Comissão da Carteira Profissional de Jornalista (CCPJ)[6].
Esta revisão constituirá uma excelente oportunidade para responder aos desafios de atualização[7], adaptação e acompanhamento da transição digital. Nomeadamente, tendo em conta a emergência de uma diversidade de órgãos de imprensa e a existência de uma linha ténue entre o que pode ser ou não considerado conteúdo editorial/jornalístico. Aguardaremos por novos desenvolvimentos.
[1] Deliberação ERC/2023/262 (Parecer Leg) - Proposta de Projeto de Lei de alteração à Lei da Rádio.
[2] Deliberação ERC/2023/261 (Parecer Leg) - Proposta de Projeto de Lei de alteração [4.ª Alteração à Lei n.º 2/99, de 13 de janeiro (Lei de Imprensa)].
[3] Regulamento (UE) 2022/2065 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 19 de outubro de 2022, relativo a um mercado único para os serviços digitais e que altera a Diretiva 2000/31/CE (Regulamento dos Serviços Digitais).
[4] Regulamento (UE) 2016/679 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 27 de abril de 2016, relativo à proteção das pessoas singulares no que diz respeito ao tratamento de dados pessoais e à livre circulação desses dados e que revoga a Diretiva 95/46/CE (Regulamento Geral sobre a Proteção de Dados).
[5] Brussels, 21.4.2021 COM (2021) 206 final, 2021/0106 (COD), Proposal for a Regulation of the European Parliament and of the Council, Laying Down Harmonised Rules on Artificial Intelligence (Artificial Intelligence Act) and Amending Certain Union Legislative Acts, SEC (2021) 167 final – SWD (2021) 84 final – SWD (2021) 85 final.
[6] No mês de maio de 2023, alguns jornalistas apresentaram os seus contributos quanto à revisão legislativa junto da CCPJ (período de consulta).
[7] A Lei de Imprensa remonta a 13 de janeiro de 1999, pelo que as suas disposições estão, sobretudo, voltadas para os órgãos de comunicação convencionais.