1. Enquadramento
No âmbito do Programa de Recuperação e Resiliência (PRR), foi definido um conjunto de investimentos e reformas destinados a repor o crescimento económico sustentado após a pandemia em várias dimensões: resiliência, transição climática e transição digital. Integrada na dimensão da transição climática, a componente da descarbonização da indústria visa alavancar a descarbonização do setor industrial e empresarial e promover uma mudança de paradigma na utilização dos recursos, concretizando medidas do Plano Nacional Energia Clima 2030 (PNEC 2030)1 e contribuindo para acelerar a transição para uma economia neutra em carbono.
Foi neste contexto que, no passado dia 29 de dezembro, foi publicada no Diário da República a Portaria n.º 325-A/2021, que aprova o Regulamento do Sistema de Incentivos «Descarbonização da Indústria».
Este sistema de incentivos, financiado pelo PRR, é aplicável, em todo o território nacional, às atividades económicas do setor da indústria, indústrias extrativas (Secção B, divisões 05 a 09 da CAE Rev. 3) e indústrias transformadoras (Secção C, divisões 10 a 33 da CAE Rev. 3) e tem como objetivo promover e apoiar financeiramente projetos relativos (i) a processos e tecnologias de baixo carbono na indústria; (ii) à adoção de medidas de eficiência energética na indústria; e (iii) à incorporação de energia de fonte renovável e armazenamento de energia.
A Portaria entrou em vigor no dia 30 de dezembro de 2021.
2. Beneficiários e Elegibilidade
São entidades beneficiárias dos incentivos à descarbonização “empresas, de qualquer dimensão ou forma jurídica, da área da indústria, bem como entidades gestoras de zonas industriais cujos investimentos possam impactar a redução de emissões de gases de efeito de estufa nas indústrias instaladas nas áreas sob sua gestão”.
Para serem elegíveis, são vários os requisitos a preencher pelos candidatos, dos quais se destacam, a título meramente exemplificativo, os seguintes: (i) ter a situação tributária e contributiva regularizada; (ii)possuir os meios técnicos, físicos e financeiros e os recursos humanos necessários ao desenvolvimento da operação; (iii) terem a situação regularizada em matéria de reposições, no âmbito de financiamentos dos FEEI; (iv) declarar e comprovar que não configura uma «Empresa em dificuldade», na aceção constante do artigo 2.º, alínea c), da Portaria; entre outros.
Será, ainda, de salientar que, caso os projetos necessitem de licenciamento industrial e/ou ambiental, os candidatos apenas poderão iniciar a sua implementação após indicação da boa elegibilidade de todos os regimes abrangidos e respetiva aprovação da Entidade Coordenadora, i.e., após ter sido obtido o licenciamento ou as autorizações necessárias associadas ao projeto, designadamente as autorizações previstas no Decreto-Lei n.º 127/2013, de 30 de agosto, que estabelece o Regime de Emissões Industriais aplicável à Prevenção e Controlo Integrados da Poluição.
Igualmente merecedor de destaque é o facto de a Portaria fazer uso do conceito de «do no significant harm» (DNSH) ou «não prejudicar significativamente» para estatuir que as empresas que prossigam atividades que causem danos significativos a qualquer objetivo ambiental não são elegíveis para o sistema de incentivos nela previsto. Na aceção do artigo 17.º do Regulamento (UE) 2020/8522 do Parlamento Europeu e do Conselho, trata-se de atividades que prejudicam significativamente o ambiente, por exemplo, as que derem origem a emissões significativas de gases com efeito de estufa, as que prejudicarem o bom estado ou o bom potencial ecológico das massas de água ou das águas marinhas, as que conduzirem a um aumento significativo da produção, da incineração ou da eliminação de resíduos, entre outras.
3. Tipologia de Projetos e Elegibilidade
Como se referiu, o sistema de incentivos previsto na Portaria em análise tem como objetivo promover e apoiar financeiramente as seguintes categorias de projetos:
i) Processos e tecnologias de baixo carbono na indústria:
- Introdução de novos processos, produtos e modelos de negócio inovadores ou a alteração de processos visando a sua descarbonização e digitalização, incluindo tecnologias e soluções limpas e inovadoras de baixo carbono que promovam o uso eficiente dos recursos e a sua circularidade, incluindo simbioses industriais, potenciando a sustentabilidade e a resiliência das cadeias de valor;
- Incorporação de novas matérias-primas, de combustíveis derivados de resíduos, incluindo biomassa e biogás;
- Recurso a simbioses industriais e medidas de economia circular, incorporando inovação;
- Substituição e/ou adaptação de equipamentos e processos para novas tecnologias sustentáveis e vetores de energia renovável;
- Adoção de gases fluorados de reduzido potencial de aquecimento global;
- Eletrificação dos consumos finais de energia, designadamente através da eletrificação dos consumos finais de energia na indústria e do reforço do acesso e da qualidade de serviço, principalmente em zonas industriais.
ii) Adoção de medidas de eficiência energética na indústria:
- Reduzir o consumo de energia e as emissões de gases com efeito de estufa, em paralelo com a adoção de sistemas de monitorização e gestão de consumos que permitam gerir e otimizar os consumos de energia aproveitando o potencial da digitalização e a automação.
iii) Incorporação de energia de fonte renovável e armazenamento de energia:
- Promoção da incorporação de hidrogénio e de outros gases renováveis na indústria, designadamente naquelas situações em que as opções tecnológicas custo-eficazes para descarbonização, nomeadamente através da eletrificação, são mais limitadas.
Para que sejam elegíveis, os projetos terão, nomeadamente, de enquadrar-se nos objetivos e prioridades definidos nos avisos de abertura de concurso (AAC), de iniciar os trabalhos após a data do pedido de auxílio e de estar em conformidade com as disposições legais, nacionais e europeias, e regulamentares que lhes forem aplicáveis.
4. Candidaturas e Tramitação
As candidaturas são apresentadas no âmbito de AAC e são submetidas através de um formulário eletrónico, disponível no sítio do IAPMEI, sendo selecionadas com base numa avaliação que tem em consideração os seguintes critérios: (i) emissões; (ii) maturidade técnica; (iii) maturidade financeira; e (iv) redução de consumos.
A admissão, análise e seleção das candidaturas é assegurada pelo IAPMEI, com o apoio do denominado Comité Coordenador para as iniciativas da Descarbonização da Indústria, que integra, além do IAPMEI, a Autoridade de Gestão do Programa Operacional Competitividade e Internacionalização (COMPETE), a Agência Nacional de Inovação (ANI), a Agência Portuguesa do Ambiente (APA) e a Direção-Geral de Energia e Geologia (DGEG).
Os projetos são hierarquizados por ordem decrescente de classificação final, sendo selecionadas para cofinanciamento as candidaturas que tenham enquadramento no montante máximo fixado no AAC, sendo, para o efeito, elaborada lista hierarquizada de candidaturas em função da pontuação de mérito obtida.
A decisão sobre as candidaturas é proferida pelo IAPMEI, no prazo de 60 dias úteis a contar da data-limite para a submissão de candidatura. Após a comunicação da decisão, a entidade beneficiária tem 30 dias úteis, a contar da data da notificação da decisão, para assinatura do termo de aceitação, sob pena de caducidade.
5. Forma do Apoio
Os apoios são atribuídos sob a forma de incentivo não reembolsável, sendo aplicáveis as taxas máximas de cofinanciamento sobre as despesas consideradas elegíveis, elencadas no Anexo I da Portaria, que estabelece as categorias de auxílio potencialmente aplicáveis.
A título exemplificativo, serão considerados auxílios ao investimento a favor da cogeração de elevada eficiência e auxílios ao investimento a favor da promoção da energia produzida a partir de fontes renováveis com o limiar de 15 milhões de euros por empresa e por projeto e com uma taxa de apoio mínima que varia entre os 30% e os 40%, com possibilidade de majorações consoante a dimensão da empresa e a localização do investimento.
Serão ainda de salientar os auxílios a estudos ambientais também com o limiar de 15 milhões de euros por empresa e por projeto e com uma taxa de apoio mínima de 50%, com possibilidade de majorações consoante a dimensão da empresa e a localização do investimento e, ainda, os auxílios ao investimento a favor da reabilitação de sítios contaminados com o limiar de 20 milhões de euros e uma taxa de apoio máxima de 100%.
Não serão elegíveis, por exemplo, os custos normais de funcionamento do beneficiário, o Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA), a aquisição de veículos automóveis, os juros e encargos financeiros; os fundos de maneio, a publicidade corrente, os investimentos relativos à produção de gases renováveis, os investimentos relativos à aquisição e instalação de equipamentos consumidores de combustíveis fósseis, entre outros.
6. Obrigações dos beneficiários e acompanhamento
Além de outras obrigações descritas na Portaria, os beneficiários terão de iniciar os investimentos no prazo máximo de seis meses após a notificação da decisão do IAPMEI, salvo motivos não imputáveis ao beneficiário, que têm de ser aceites por esta entidade.
É ainda de notar que, caso não esteja previsto prazo superior na legislação europeia aplicável ou nas regras dos auxílios de Estado, os beneficiários são obrigados a manter o investimento produtivo ou as infraestruturas financiadas e a afetá-los à respetiva atividade pelo menos durante cinco anos, ou três anos quando estejam em causa investimentos de PME, em ambos os casos, a contar da data do pagamento final ao beneficiário final.
Os projetos aprovados são sujeitos a verificações de gestão, nos termos a definir pelo IAPMEI, sendo objeto de uma auditoria no final do projeto que incluirá uma verificação no local.