Nota Informativa

TJUE clarifica o conceito de alimento para fins medicinais específicos

20/12/2022

Em 27 de outubro de 2022 o Tribunal de Justiça da União Europeia (“TJUE”) publicou um Acórdão no qual clarificou o conceito de alimento para fins medicinais específicos (Processo C-418/2).

O Acórdão teve origem de uma ação intentada pela associação alemã Verband Sozialer Wettbewerb eV (“VSW”) – associação que tem por objeto, entre outros, a promoção da concorrência leal – contra a sociedade alemã Orthomol Pharmazeutische Vertriebs GmbH (“Orthomol”) no âmbito de produtos comercializados pela Orthomol classificados enquanto alimento para fins medicinais específicos. A ação foi intentada no Landgericht Dusseldorf (Tribunal Regional de Dusseldorf) em primeira instância, tendo sido objeto de recurso para o Oberlandesgericht Dusseldorf (Tribunal Regional de Segunda Instância), que procedeu ao reenvio prejudicial para o TJUE.

A VSW contestou a classificação pela Orthomol de produtos classificados enquanto alimento para fins medicinais específicos no âmbito do Regulamento (UE) n.º 609/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho de 12 de junho de 2013, relativo aos alimentos para lactentes e crianças pequenas, aos alimentos destinados a fins medicinais específicos e aos substitutos integrais da dieta para controlo do peso (“Regulamento 609/2013”). Com efeito, a VSW contestou classificação de dois produtos comercializados pela Orthomol enquanto alimentos para fins medicinais específicos, no primeiro caso com base no facto de o produto ser promovido como destinando‑se ao reforço médico‑nutricional do sistema imunitário para satisfação das necessidades nutricionais em caso de deficiências imunitárias relacionadas com a nutrição e, no segundo, como destinado à satisfação das necessidades nutricionais em caso de degenerescência macular relacionada à idade (“DMRI”).

A VSW suportou a sua argumentação no facto de os produtos não preencherem os requisitos necessários para tal classificação porquanto o artigo 2.º, n.º 2, alínea g), do Regulamento n.º 609/2013 define os alimentos para fins medicinais específicos, prevendo dois casos que são inaplicáveis aos produtos em causa. Com efeito, as doenças supostamente combatidas por tais produtos – deficiências imunitárias de origem nutricional e a DMRI –, não são doenças que provoquem uma limitação, diminuição ou alteração das capacidades para ingerir, digerir, absorver, metabolizar ou excretar alimentos correntes ou alguns dos nutrientes neles contidos ou metabolitos por parte dos doentes.

Por outro lado, a norma refere-se exclusivamente às doenças idóneas a causar uma necessidade energética e nutricional concreta e específica, e não às substâncias que servem para tratar a doença em si.

Neste enquadramento, o tribunal de reenvio questionou o TJUE se se o artigo 2.º, n.º 2, alínea g), do Regulamento 609/2013 e, em especial, o conceito de "requisitos nutricionais particulares", deve ser interpretados no sentido de que, para efeitos de qualificação de um produto como alimento para fins medicinais específicos, é necessário que a doença implique exigências nutricionais acrescidas, que o alimento deve cobrir, ou se é suficiente que o paciente obtenha um benefício geral da ingestão deste alimento porque as substâncias nele contidas combatem o distúrbio ou atenuam os seus sintomas.

Neste contexto, o TJUE veio esclarecer que o artigo 2.º, n.º 2, alínea g) do Regulamento 609/2013, e, em especial, o conceito de "requisitos nutricionais particulares" devem ser interpretados no sentido de que um produto constitui um alimento para fins medicinais específicos quando a doença implica requisitos nutricionais acrescidos ou específicos que o alimento deve satisfazer, de modo que não é suficiente, para efeitos dessa qualificação, que o paciente obtenha um benefício geral da ingestão deste alimento porque as substâncias nele contidas combatem o distúrbio ou atenuam os seus sintomas.

Fica agora claro que para a qualificação de um produto como alimento para fins medicinais específicos nos termos do Regulamento 609/2013 não é suficiente que a ingestão do produto pelo doente tenha benefícios genéricos para a saúde do doente, mas que se destine especificamente a suprir, parcial ou totalmente, as carências nutricionais causadas ao doente por uma doença específica.

Refere ainda que caso se entendesse em sentido contrário, isto é, que para qualificar um alimento para fins medicinais específicos seria suficiente a obtenção de um benefício genérico na saúde do doente, estaria a ignorar-se as especificidades dos alimentos para fins medicinais específicos colocando inclusivamente em causa a distinção entre alimentos para fins medicinais específicos e medicamentos, que o legislador pretendeu estabelecer.

Sem prejuízo de restarem ainda vários conceitos indeterminados nesta matéria que importa densificar, o Acórdão veio clarificar o conceito de alimento para fins medicinais específicos e estabelecer a linha divisória relativamente a produtos semelhantes ou cuja função é passível de confusão. 

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